16.6.13

Feiticeira Inverno

O seu elemento era o ar. Mas as suas maiores epifanias e o seu quase nirvana se davam na água do banho. Tudo era planejado: a temperatura, a luz do entardecer, a música alta no rádio.
Escorria a água quente na pele cansada e o som do suspiro casava com perfeição com o ambiente. Formava-se a espuma na pele aquecida e o som da respiração cadenciava. Molhavam os cabelos grudados na pele delicada e o som da água envolvia.
Era a luz, tinha certeza: era a luz. Diáfana e efêmera. Luz palpável como poesia. Que entrava pelos poros e escrevia versos como tinta no papel. Mas era também o cheiro e a maciez. Do sabonete e da própria pele. A suavidade descia em ondas nos caracóis do cabelo e nas curvas da pele.
Acontecia o ritual. Fora, a água levava o velho. Dentro, a energia movimentava o novo. Espalhava-se o calor. De cada poro até o coração. Coração de folhas secas e ventos de outono, frio de inverno. Coração de tanto amor que não sabia amar um alguém.
Enquanto a toalha tocava o corpo, toda ela era coração. Toda ela músculo involuntário que pulsava no ritmo da música. Toda ela som. E assim ela sente cada sensação na intensidade máxima, cada deslizar do creme na pele macia.
Embalam-se suavemente as rendas da cortina. Contrastam nitidamente as rendas escuras da lingerie e a pérola da pele. Amarram-se suavemente as fitas, formando laços nas coxas macias. Embala-se suavemente todo o corpo.
Os pensamentos dividem-se em lembrar o que foi e imaginar o que não foi. Um verso no rádio capta a atenção e ela deseja ouvir que também ela tem ares de milonga. Sabe, lá no fundo, que tem o sabor do tango. Prolonga o êxtase do momento desembaraçando suavemente os cabelos, sentindo caírem nos ombros, enquanto a toalha vermelho-sangue escorre até o chão. Dança, no ritmo que vem da carne da alma e se espalha no ar.
Olhos semiabertos. Sempre achou que no entardecer se vê melhor porque se olha para dentro.
Enrola-se suavemente a toalha no corpo. Cala-se o rádio e os pés tocam céleres o piso frio até o quarto. Cerra-se a porta e a toalha volta a escorrer vermelha até o chão. Cessa o silêncio e a música toma o ar.
Ela acende o incenso de absinto, perfuma o ar e se reintegra ao seu elemento. Ao escurecer, dança com o incenso na mão. O perfume toma o ar. Para em frente ao espelho e se observa dançar, os movimentos da pele nua tocada pela renda. Os olhos no espelho são fogueiras. Fascínio. Toda ela é magia de absinto.
Bebe e se embriaga em mim.

Acende a vela e observa a rosa formar a sombra sedutora na parede. Pega papel e lápis. Já não pode mais. Precisa executar o feitiço e derramar as palavras como mágica no papel, para entorpecer os sentidos como as mais poderosas poções.