27.12.11

A Função Soneca

   Com os primeiros raios de sol, toca um despertador. *click*. E é acionada a função 'soneca' do despertador do celular. Os melhores sonhos da noite parecem ter surgido naqueles poucos minutos. BIP BIP BIP. *click*. E é acionada a função 'soneca' do celular novamente. Vira para o outro lado e um pesado sono é prosseguido. Ossos estalam. A gravidade certamente não é 9,81 m/s² sobre esta cama. BIP BIP BIP. *click*. Vira o travesseiro, bota o edredom entre as pernas. Possivelmente roncou. BIP BIP BIP. *click*.

   Levanta. Vai até o banheiro, joga a tampa contra a parede, faz a maior força mental para acertar no alvo; baixa a tampa, aciona a descarga; lava as mãos, joga água no rosto. Olha o espelho, cabelos desgrenhados e olheiras. Na cabeça uma dor característica. Joga água novamente no rosto. Sai do banheiro e olha a cama.

   Deita novamente, sem muito tentar acertar a cabeça no travesseiro, com uma perna meio para fora do colchão. BIP BIP BIP. *click*. E é acionada a função 'soneca' do celular. Minutos se passam, mas parecem poucos segundos. Uma música toca. *click* E é acionada a função 'soneca' do rádio-relógio. Nada. BIP BIP BIP. *click*. ... . Música. *click*. ... . BIP BIP BIP. *click*. 

20.12.11

Navalha

Ela olhou pra imagem no espelho mais uma vez. Viu olhos que não eram dela. Viu bagagens que não eram suas. Sentiu ao tocar no vidro uma frieza que não refletia as chamas que a consumiam em dor e inspiração. Sentiu nas pontas dos dedos a frieza da navalha. Desviou lentamente o olhar do espelho para o alabastro dos pulsos e sentiu a lâmina pesar mais do que nunca em sua mão.

Teve consciência da angústia do mundo que se agitava dentro dela. Era, então, irrelevante que nada matasse sua sede e sua garganta secasse em meio ao cinza indefectível de uma cidade que cheirava a indiferença. As pessoas nas ruas se moviam como robôs, e ela também. Mas as pilhas do seu controle remoto haviam se esgotado. Ela havia aprendido a curtir a cadência da constância.

A profundidade das olheiras não permitia que se duvidasse. Houvera um desmoronamento interior. Agora ela se via sem complementos, pura e simples como planejada. Eu disse simples? Perdão. Não havia como ELA ser simples. Era intensa e desmedida. Passional. Irreversível. Mas havia acabado de se descobrir assim.

Antes, tinha sido invisível. A cada anulação da vontade, estrangulava a autenticidade. E dava pilhas novas ao seu controle remoto. ELA? Não existia. Era imagem e era atitudes automáticas.

3.12.11

As madrugadas

A insônia é uma sacana, surge de madrugada, e some nas tardes livres. As melhores idéias nascem na madrugada, quando se está sem sono - mas somem de manhã, antes de anotá-las.
.
..
...
Olha o relógio: 02:00... Vira para um lado, vira para o outro. 
Olha o relógio: 03:00... Vira para um lado, vira para o outro.
Olha o relógio: 04:00... vira...

Talvez a pior coisa da madrugada seja uma consciência pesada; por erros, por arrependimentos. O arrependimento é uma vadia sacana, que nos deixa acordados, revirando, tendo espasmos, lembrando novamente dos erros cometidos em dias (ou noites) passados. Besteiras ditas, ou não ditas. Noites que se tornaram dias. Na madrugada nos indignamos com as coisas mais simples, fazemos discursos e conversas mentais. Defendemos nossas teses - contra nós mesmos. Planejamos...
.
..
...
Olha o relógio: 05:00... Vira para um lado, para o outro.
...para um lado, para o outro.... pensa na vida, faz planos, ... Vira para um lado, para o outro...
Olha o relógio: 05:05.

Cães latem lá fora, a TV fala sozinha aqui dentro. Nos fones alguma música qualquer. Minha cama segue me esperando no quarto. Abro a janela, o mundo segue parado. De manhã recomeça tudo lá fora, e eu pretendo estar dormindo aqui dentro.
.
..
... Vira para um lado, vira para o outro: 06:12....
.... Vira para um lado, vira para o outro....fecham-se os olhos...
Toca o despertador: 08:00

HORA DE ACORDAR!