6.3.12

Ocupada demais

Ana era uma jovem sonhadora, recém chegada à segunda década de vida. Apesar da curta viagem, o caminho lhe proporcionara vários obstáculos que lhe calejara as mãos...e o coração. Tinha tantos sonhos, mas o único que lhe tirava o sono era o amor não correspondido de seu ex-namorado, Rafael.

Ana e Rafael tiveram, por um ano e pouco, o frescor da paixão ardendo dentro de si e com isso saborearam doces e incríveis momentos. Ana não esquece, nem Rafael. Por mais que o destino tenha os separado, a saudade visita e o tempo não apaga o que da vida já se construiu.

Um relacionamento tão jovem e encantador como esse, normalmente é conturbado na despedida. Ambos haviam experimentado pela primeira vez na vida o amor, a rosa...mas também os espinhos e, nesse sentido, Ana não havia digerido os espinhos. Ainda chorava o desejo, mesmo que seu primeiro amor não tivesse nada além de memórias dentro de um magoado coração. À cada novo dia - que parecia ser mais longo - e à cada noite perdida de sono, sua autoestima descia vários degraus. Sentia-se menor...incapaz de amar e ser amada, apesar de no fundo saber que era uma grande garota. Sonhadora porém cultivadora dos pequenos detalhes, sedenta pela vida e pelo amor que sentia-se capaz de proporcionar. Sabia de suas qualidades, mas nesse momento Ana só enxergava um ponto escuro em meio à folha totalmente branca.

Ana em sua triste empreitada conheceu Marcelo, que apesar de ouvir os lamentos de Ana por longos dias e oferecer-lhe o ombro, a palavra e a cumplicidade, tinha dentro de si a certeza que poderia dar à Ana o que de melhor aquela jovem merecia. Sabia também que ultimamente Ana não dava atenção pra rapaz nenhum, fosse ele malandro ou um gentleman, como ele mesmo. Mas nunca desistiu, fez o que de melhor podia e mesmo que tentasse, Ana estava ocupada demais...

Ocupada demais carregando suas pesadas malas, cheias de pesos desnecessários. Por vezes cansada, abria suas malas e remexia tudo ali dentro, mas nada retirava. Estava ocupada demais alojando dentro de si o que já deveria ter ido embora há algum tempo, e tão ocupada não tinha tempo para os outros... nem pra Marcelo. Havia tornado-se refém de seus medos, de ficar sozinha, mesmo que a solidão já lhe habitasse por tempos.

Ana acomodou-se na dor e criou laços com suas dificuldades. Por vezes proferia: "Eu sou assim -e não posso mudar", criando uma máscara que escondesse sua face, de seu coração. De reconhecer que havia sido derrotada e a partir dessa etapa começar a superar sua perda. Mas Ana estava ocupada demais, ocupada demais em viver a vida de seu ex-namorado, antes mesmo da sua. Dizia amá-lo tanto e, mesmo na dor, acreditava poder proporcionar à ele uma grande história de amor, ainda que não pudesse fazer isso a si mesma.
Marcelo partiu e, com ele, partiram novos encontros e desencontros.
Ana? Bem, Ana segue sua luta...contra suas malas. E nelas um bilhete deixado por Marcelo:

"Andar na direção do outro é também fazer uma viagem. Mas não leve muita coisa. Não tenha medo das ausências que sentirá. Ao adentrar o território alheio, quem sabe assim os seus olhos se abram para enxergar de um jeito novo o território que é seu. Não leve os seus pesos. Eles não lhe permitirão encontrar o outro."