21.2.12

Descasamento


Casou-se. Esse poderia ser o final feliz de sua história, mas para Marta era apenas o começo. Em poucos meses, descobriu que a rotina era traiçoeira e sempre dava seus golpes quando todos estavam desatentos - no café em um domingo de manhã ou depois do futebol na TV durante a noite de quarta-feira. Nesses momentos, em que tudo parecia calmo, a monotonia da vida à dois se sobressaía, explodindo como uma bomba de hidrogênio.

- É sempre a mesma coisa, você não se dá o trabalho de levantar desse sofá e colocar o copo na pia, Eugênio.

Entre copos sujos e meias espalhadas pelo chão, o casamento desandou. Eugênio saiu de casa, Marta foi morar com a mãe. O antigo ninho de amor se transformou em um museu de recordações tão dolorosas que a maior briga era para se desfazer do imóvel.

- Eu fico com o seu carro e você me paga o resto do apartamento com as joias da sua mãe.

- Nem pensar, nas joias da mamãe você não toca!

Enquanto brigavam, não repararam naqueles dois ratinhos que encontraram no quarto do ex-casal a oportunidade de uma vida tranquila. Roedores que eram, não se preocupavam com o amor, a rotina ou o comportamento do companheiro - queriam apenas um teto para procriar e manter seu legado em segurança. Depois de cinco anos, o local estava infestado. Com a decisão judicial, Marta foi a primeira a perceber que o patrimônio não lhe pertencia mais: por usucapião, fora concedido aos asquerosos mamíferos, que a esta época já estavam chegando à casa dos milhares.

- Eugêêêênioooo! Venha ao apartamento imediatamente! Ele foi invadido por ratos! Isso é tudo culpa sua!

Eugênio, ao verificar o  ocorrido, pensou em quanto aquele casamento e todas as suas consequências haviam lhe trazido problemas. Era mais feliz quando estava solteiro e não tinha que lidar com ratos imundos e uma ex-mulher histérica. Resolveu mandar dedetizar, para que Marta o deixasse em paz. Todavia, o ex-casal não esperava que esse fato mexeria tanto com suas vidas.

Kléber, o dono da empresa de dedetização, era um homem gentil, cortês e tinha lá o seu charme. Com bom papo e muita atenção para dar, logo encantou Marta. Era tudo o que ela precisava. Mas também era tudo o que Eugênio queria, mesmo sem saber. Acostumado àquele tipo de experiência, Kléber logo convenceu os dois sobre a normalidade da situação: não era algo sobre o amor e seus subprodutos; era uma relação de prazer, aventura e aceitação.

Em pouco tempo, o apartamento estava pronto para ser habitado por Marta, Kléber e Eugênio. E, por hora, todos viveram felizes.