31.1.12

Vidas secretas


Ele era um cachorro. Um simples cachorro sem raça definida que se contentava em ser alimentado todos os dias e ganhar algum brinquedo de vez em quando. Olhava o mundo através da janela do apartamento em que vivia junto aos seus donos e mais um tímido gato que não gostava de ser perturbado. Tanto faz, ele não era fã de gatos, mesmo. A única coisa que o intrigava era aquele casal com quem compartilhava o mesmo teto. Era um casal estranho em um casamento mais estranho ainda. Tratavam-se com educação enquanto estavam juntos, principalmente na frente de visitas, mas escondiam, um do outro, mais do que a insatisfação no relacionamento. Escondiam como buscavam aquilo que faltava na convivência diária.

O dono, por exemplo, passava as madrugadas em frente ao computador, no quarto de visitas, enquanto a esposa dormia, envenenada pelos tranquilizantes. Às vezes, ele saía abruptamente no meio da noite e voltava cerca de uma hora depois, com um grande sorriso no rosto. A dona, por sua vez, sempre trazia amigas muito íntimas, com as quais passava as tardes trancada no quarto principal. Até aparentavam viver uma vida tranquila e alegre mas, no fundo de seus olhos, aquele cachorro percebia que as coisas não eram tão boas assim. Seu instinto canino lhe dizia que não havia felicidade naquele lar.

Mas era apenas um cão e achava complexo demais pensar nos mistérios das relações humanas. Para ele, bastava sobreviver. Não conhecia outra forma de ser feliz. Comer, brincar e dormir eram os seus principais objetivos. Por isso, preferia não gastar seu tempo tentando compreender seus donos. Por mais estranhos que fossem, resolveriam seus problemas sozinhos. Nenhum vira-latas no mundo poderia ajudá-los.