Ele era um cachorro. Um simples cachorro sem raça definida
que se contentava em ser alimentado todos os dias e ganhar algum brinquedo de
vez em quando. Olhava o mundo através da janela do apartamento em que vivia
junto aos seus donos e mais um tímido gato que não gostava de ser perturbado.
Tanto faz, ele não era fã de gatos, mesmo. A única coisa que o intrigava era
aquele casal com quem compartilhava o mesmo teto. Era um casal estranho em um
casamento mais estranho ainda. Tratavam-se com educação enquanto estavam
juntos, principalmente na frente de visitas, mas escondiam, um do outro, mais
do que a insatisfação no relacionamento. Escondiam como buscavam aquilo que
faltava na convivência diária.
O dono, por exemplo, passava as madrugadas em frente ao
computador, no quarto de visitas, enquanto a esposa dormia, envenenada pelos
tranquilizantes. Às vezes, ele saía abruptamente no meio da noite e voltava
cerca de uma hora depois, com um grande sorriso no rosto. A dona, por sua vez,
sempre trazia amigas muito íntimas, com as quais passava as tardes trancada no
quarto principal. Até aparentavam viver uma vida tranquila e alegre mas, no
fundo de seus olhos, aquele cachorro percebia que as coisas não eram tão boas
assim. Seu instinto canino lhe dizia que não havia felicidade naquele lar.
Mas era apenas um cão e achava complexo demais pensar nos
mistérios das relações humanas. Para ele, bastava sobreviver. Não conhecia
outra forma de ser feliz. Comer, brincar e dormir eram os seus principais objetivos.
Por isso, preferia não gastar seu tempo tentando compreender seus donos. Por
mais estranhos que fossem, resolveriam seus problemas sozinhos. Nenhum
vira-latas no mundo poderia ajudá-los.